Stammler,
Rudolf (1856-1938)
Jurista alemão, da Escola de Marburgo. O
direito passa a ser entendido como uma ciência
final, enquanto uma forma científica que ordena os fenómenos segundo uma
relação meio-fim, onde o temporalmente ulterior (o fim ou o efeito) aparece como condicionante do
temporalmente anterior (o meio), conforme a proposta de dedução transcendental feita pelo próprio Kant.
Precisamente o contrário do que se verifica nas ciências da natureza, marcadas
pela relação causa-efeito, onde o
temporalmente ulterior (o efeito) surge condicionado pelo anterior (a causa).
Aceita-se assim que, para além do método das ciências da natureza, que
procuram apenas perceber, há um espaço
autónomo para as ciências finais, onde predomina o querer e a relação meio-fim. Neste sentido, considera que
importa encontrar os puros conceitos
fundamentais, as formas puras, o a
priori, os postulados que condicionam logicamente cada conhecimento
particular, cada experiência, cada matéria, esta, sim, mutável e alterável.
O conhecer é assim figurado como um disco
de círculos concêntricos, onde, no centro, se coloca o conceito em si mesmo e depois, sucessivamente, tanto os conceitos
fundamentais puros dele emanados como os conceitos
condicionados, estes obtidos por abstracção, a partir dos conteúdos
restritos de uma experiência histórica, a tal matéria mutável. Aplicando o
modelo ao direito, Stammler
elabora
uma construção unitária de conceitos jurídicos, isto é,
supra-infra-ordenados, onde há conceitos superiores e inferiores. Adopta assim um
sistema de formas puras, no qual pensamos juridicamente, esse conjunto de condições
a priori que tornam possível a própria experiência, onde o conceito de
direito aparece não só logicamente anterior à experiência jurídica como até
condição desta. Assume-se como uma forma pura, como um a
priori, a tal juridicidade que
permitiria uma teoria pura do direito
(reine Rechtslehere). O centro ou
ponto fixo do direito é o conceito de
direito em si mesmo, o querer inviolável
e soberanamente vinculante (das
unverletzbar selbstherrlic verbindende Wollen). Imediatamente a seguir,
surgem os conceitos jurídicos
fundamentais puros, as tais emanações imutáveis do conceito
incondicionado e subsistente de direito. Isto é, as formas puras que
condicionam logicamente cada conhecimento jurídico particular, cada experiência,
cada matéria, estas sim mutáveis e alteráveis. As categorias que dão ordem lógica
à massa desordenada dos fenómenos jurídicos que se apresentam à experiência.
Finalmente, surgem os conceitos jurídicos
condicionados ou derivados. Isto
é, os conceitos obtidos por abstracção a partir dos conteúdos restritos de
um direito historicamente posto.
Direito Justo
Para além disso, há que proceder a uma investigação ou à praxe do direito justo ou do direito
correcto (richtiges Recht),
considerado como um critério superior ao direito positivo, algo que não
constitui um conjunto de normas jurídicas, onde os casos particulares podem
subsumir-se, mas antes uma massa de directrizes, ideias orientadoras, indicações
metódicas ou princípios, o tal direito justo entendido como ideal
social, como um padrão para se avaliar de cada direito positivo. A justiça
aparece assim como um pressuposto do
direito, dado que todo o pensamento do direito tem a justiça como exigência
última, defendendo a possibilidade de a podermos atingir através de uma dedução
a partir dos conceitos fundamentais. Mas o direito correcto, enquanto direito
positivo, a
lei que, em determinadas circunstâncias coincide com a ideia de direito,
embora ainda como direito não formado,
tem qualidades objectivas, não
constituindo algo que se impõe de fora, não é algo de transcendente face ao
direito positivo. Não pode, por exemplo, extrair-se da moral, antes se
atingindo através de uma reflexão crítica levada a cabo no contexto do próprio
direito positivo (por exemplo, através da integração lacunas e das
cláusulas gerais constantes da lei, como as de boa
fé ou de equidade, onde o juiz só pode recorrer ao tal direito justo). O
conceito de direito distingue-se assim da ideia
de direito, dado que o mesmo contém as
formas de pensar permanentes, enquanto a segunda não passa da medida
do cânon, do critério
para julgar o direito, o qual não deixa se ser direito, mesmo que seja injusto
ou esteja marcado pelo arbitrário. O direito correcto ou justo passa assim a
ser um padrão para a avaliação do direito positivo, mas não deixa de ser
positivo, dado constituir, conforme assinala Wieacker, aquela
parte do direito positivo que, numa dada situação histórica, satisfaz categorias formais apriorísticas do conceito de direito, o
tal querer auto-regido, vinculativo e
inviolável. Neste sentido, Stammler continua a ser positivista, apresentando como
absolutos os conteúdos específicos de justiça existentes nas ordens jurídicas
de determinados povos, sociedades e situações históricas. Segundo Welzel,
trata-se de um positivismo sublimado ou de uma teoria complementar do
positivismo jurídico. Neste sentido, considera ser preciso reabilitar
a ideia de um direito natural: não como um conjunto de preceitos concretos,
repletos de conteúdo, e válidos para todos os tempos e lugares, mas como uma
ideia formal, abstracta, de justiça ideal para todos os direitos positivos.
Direito
natural de conteúdo variável
Aliás,
logo em 1902, defende um direito natural
de conteúdo variável (Naturrecht mit
wechselnden Inhalte), isto é aquelas
proposições jurídicas que, em relações juridicamente condicionadas contêm
o direito teoreticamente justo. Neste
sentido, considera que a lei tem de ser um
meio justo para chegar a um fim justo, salientando até que se trata de uma coacção
para que se atinja a justiça.
Culto da forma pela forma
Esta
Escola de Marburgo, segundo Cabral de Moncada, é, aliás, marcada por uma espécie de culto
da forma pela forma. Isto é, das formas de pensamento despojadas dos seus
conteúdos históricos, ao mesmo tempo que não é capaz de avançar na análise
do problema dos valores, gerando aquilo que Alexandre Morujão
qualifica
como a sede metafísica, e que Erich Kaufmann
refere
como indiferença axiológica. Vazios que a filosofia dos valores e a
neo-hegelianismo tentam, depois, colmatar.
bibliografia:
1888
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Über die Methode der Geschichtlichen
Rechtsschule
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Sobre o método da escola histórica do direito,
1888.
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1894
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Die Theorie des Anarchismus
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A teoria do
anarquismo, 1894.
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1897
|
Recht und Wirtschaft
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|
Direito e
economia, 1897;
|
1902
|
Die Lehre von dem richtigen Recht
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|
A teoria do
direito justo, 1902;
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1911
|
Theorie der Rechtswissenschaft
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|
A teoria da ciência
jurídica, 1911;
|
1917
|
Rechts und Staatstheorien der Neuzeit
|
|
1917;
|
1920
|
Sozialismus
und Christentum
|
|
Leipzig,
1920
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1921
|
Lehrbuch der Rechtsphilosophie
|
|
Manual
de filosofia do direito em dois tomos, 1921-1924
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Trad.
cast. de W. Roces, Filosofia del Derecho, Madrid, Reus, 1930
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|
Der Richter
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|
1924;
|
|
Rechtsphilosophischen Abhandlugen und Vorträgeb Monografias e conferências
filosófico-jurídicas, 1925.
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|
Modernas Teorías del Derecho y del Estado
|
|
trad.
cast., Botas, 1955
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